1974

"A conclusão geral que surge é que a hipótese de extensão ao conjunto do sistema capitalista das formas de consumo que prevalecem atualmente nos países cêntricos não têm cabimento dentro das possibilidades evolutivas aparentes desse sistema. E é essa a razão pela qual uma ruptura cataclísmica, num horizonte previsível, carece de verossimilhança. O interesse principal do modelo que leva a essa previsão de ruptura cataclísmica está em que ele proporciona uma demonstração cabal de que o estilo de vida criado pelo capitalismo industrial sempre será o privilégio de uma minoria. O custo, em termos de depredação do mundo físico, desse estilo de vida é de tal forma elevado que toda a tentativa de generelizá-lo levaria inexoravelmente ao colapso de toda uma civilização, pondo em risco a sobrevivência da espécie humana. Temos assim a prova cabal de que o desenvolvimento econômico - a ideia de que os povos pobres podem algum dia desfrutar das formas de vida dos atuais povos ricos - é simplesmente irrealizável. Sabemos agora de forma irrefutável que as economias da periferia nunca serão desenvolvidas, no sentido de similares às economias que formam o atual centro do sistema capitalista. Mas, como desconhecer que essa ideia tem sido de grande utilidade para mobilizar enormes sacrifícios para legitimar a destruição de formas de culturas arcaicas, para explicar e fazer compreender a necessidade de destruir o meio físico, para justificar formas de dependência que reforçam o caráter predatório do sistema produtivo? Cabe, portanto, afirmar que a ideia de desenvolvimento econômico é um simples mito. Graças a ela, tem sido possível desviar as atenções da tarefa básica de identificação das necessidades fundamentais da coletividade e das possibilidades que abrem ao homem o avanço da ciência, para concentrá-las em objetivos abstratos, como são os investimentos, as importações e o crescimento. A importância principal do modelo de Os Limites do Crescimento é haver contribuído, ainda que não haja sido o seu propósito, para destruir esse mito, seguramente um dos pilares da doutrina que serve de cobertura à dominação dos povos dos países periféricos dentro da nova estrutura do sistema capitalista".

Celso Furtado, em O Mito do Desenvolvimento Econômico. E lá se vão 37 anos...

"Uma outra Cultura"

"Toda vez que impomos nossa concepção e nossa invenção da realidade sobre uma outra cultura, seja no curso do trabalho antropológico, missionário, governamental ou em prol do 'desenvolvimento', transformamos sua criatividade nativa em algo arbitrário e questionável, em um mero jogo de palavras simbólico. Ela se torna 'uma outra Cultura'..."

Roy Wagner, em "A Invenção da Cultura"