A história da história da Copa

"Eu tenho uma memória, graças a Deus, muito boa. Lembro de quase tudo. Agora que eu to meio perdido, mas vou te contar uma história, que eu contei essa história quarenta anos depois.

Tratava-se do seguinte: Em 1978, eu era gerente do Banco Nacional, aqui na Avenida do Contorno, lá no Floresta. E de manhã, era véspera da Copa do Mundo na Argentina. E eu comentava com os companheiros de banco, dizia que me lembrava da Copa de 38. Quer dizer, de 38 para 78, 40 anos tinham se passado.

Aí a turma falou: “Ah, você não lembra nada”. Aí eu disse: “lembro sim, e lembro do primeiro jogo”, que foi Brasil e Polônia, que foi 6 a 5. Naquela época, o Leônidas da Silva perdeu as chuteiras e jogou descalço uma boa parte do tempo. Hoje não pode mais, se alguém perder qualquer coisa do uniforme tem que sair do jogo e vestir, né? Mas eu me lembro que aí, no segundo jogo, o Brasil jogou com a Tchecoslováquia. Essa Copa foi na França. Então, o Brasil empatou com a Tchecoslováquia, em 1 a 1. E o desempate naquele tempo era outra partida, e o Brasil, na terça feira, jogou com o time todo azul, o time azul, o time reserva, todo o time. O técnico, o Ademar mudou tudo, e acabou ganhando da Tchecoslováquia, por 2 a 1.

Muito bem. Naquele tempo também tinha muito pouco time que jogava, não é igual essa Copa agora, que foram 32 times, né? Naquele tempo deviam ser uns 8 ou 10 no máximo. E então, o Brasil ia jogar com a Itália, no dia 26 de maio de 1938. E lá na minha terra, lá no Alto Rio Doce, eu com 12 anos, doido pra ouvir o jogo, eu fazia parte da banda. E então o padre Zé Pinto marcou a procissão pra na hora do jogo. E naquele tempo padre mandava demais, o padre mandava em tudo. Quem rezava, e era quase a maioria, ia pra procissão. E eu também tinha que ir, porque a banda fazia parte lá, tocando. Tinha as três bênçãos. Saía da Igreja da Matriz, descia, no Caxangá tinha uma benção. Passava ali a benção, demorava uns quinze a vinte minutos, saía novamente de procissão, subindo a rua lá da escadinha, e ia pra Igreja do Rosário, pra fazer a segunda benção.

Neste momento, quando passamos em frente à alfaiataria do Seu Lico e o coreto do jardim, tinha só uma pessoa ouvindo o rádio, era um senhor que não era de lá, até, era um fiscal federal, que era do estado do Rio. Ele ficou ali sozinho ouvindo o jogo, da Itália com o Brasil. Quando nós passamos em frente ao coreto, a banda tocando, nós olhamos, eu pelo menos olhei lá pra cima, e ele fez um sinal com o olho assim, que a coisa não tava boa. Aí a procissão andou mais uns vinte, trinta metros, e entrou na igrejinha. A turma toda largou os instrumentos da banda no chão, lá no passeio, e os músicos correram e eu fui atrás. Corremos lá pro coreto. Chegamos lá o Brasil estava acabando de fazer um gol. Mas não conseguiu, acabou sendo eliminado, e perdemos por 2 a 1. Essa é a história de 38.

Aí então, conforme eu estava contando pros companherios em 78 lá no banco, eles começaram a me gozar: “você não lembra disso nada, isso é chute!”. E eu: “eu não, to falando pra vocês, se vocês querem acreditar, bom, se não querem, não acredita”. Mas nesse momento entrou um senhor no banco, o banco já estava na hora do expediente externo, e entrou um homem lá pra pagar uma conta de luz, e não sei o quê. Aí eu falei assim: “ô Geraldo, vem cá”. O Geraldo entrou lá dentro no exepediente do banco. E eu: “ô Geraldo, quê que aconteceu no dia 26 de maio, de 38, dia de Corpus Christi?”. Na mesma hora também ele lembrou: “é, o Brasil perdeu pra Itália, né? E nós até hoje estamos...”

É uma história que eu lembro. E olha que eu já estou com 76, e lembro desses dados de 78, e consequentemente de 38."
(José Nery Matos, 2004)