Entre extirpar o Dem(o) e erradicar a pobreza

lula

Em campanha pra Dilma, Lula disse em um comício que o Dem(o) deveria ser extirpado da política brasileira. A sentença do presidente causou furor na rede, principalmente à direita, pois declarar assim em público o desejo de extirpar um partido político soa meio agressivo. Alguns se apressaram em declarar que Lula, apoiado em um índice de aprovação popular monstruoso e nas pesquisas de intenção de voto que davam à sua candidata a vitória ainda no primeiro turno, colocava suas garras de fora. Isso se soma a esse papo (furado) de que o governo é contra a liberdade de imprensa e etc. - imagine, num país onde todos os jornais e revistas de maior circulação se colocam a serviço da desmoralização do presidente e da calúnia contra o seu partido e os seus membros... Lula fez como o capitão de um time de futebol seguro da vitória, que vira para os seus 10 companheiros no vestiário antes da partida e diz: "vamos acabar com eles".
A frase de Lula, pronunciada de uma maneira pouco cuidadosa, na verdade traduz a certeza de que o espectro partidário brasileiro vai se transformando, mas pela via das urnas. Com efeito, pelo que tudo indica, a oposição Dem(o)-PSDB sai dessas eleições enfraquecida, e terá que passar por uma reestruturação. Nesse processo, dizem alguns, Aécio talvez seja fortalecido, talvez pela pretensa capacidade de indicar um caminho moderado de oposição ao governo petista. O fato é que toda uma ala à direita da política brasileira, apoiada pela grande mídia, levou uma surra considerável nessa disputa presidencial de 2010.
Há menos tempo, no evento comemorativo da capitalização da Petrobrás, na Bovespa, Lula disse que a descoberta do pré-sal e a capitalização para a sua exploração permitirão à Petrobrás ajudar a “erradicar de vez a pobreza do nosso povo, garantir educação pública de qualidade a todos os filhos da nossa terra”. Lula tem motivos para comemorar, porque conseguiu em oito anos estruturar um Estado superavitário que distribui renda, e que promove a "inclusão" de milhares no ensino superior e etc. Num paradoxo que não escapa ao humor de nosso presidente, o maior socialista brasileiro do século XX conduziu um governo que transformou o país na maior economia capitalista da América Latina. “Um estado fraco nunca foi sinônimo de iniciativa privada forte” disse o presidente.
Nos parece que em seu melhor e em seu pior uma parte dos oito anos de governo Lula podem ser compreendidos entre as duas coisas: extirpar o Dem(o) e erradicar a pobreza. Sem dúvida, é sob a batuta de Lula e de seu governo que o Brasil vem mudando, se transformando em um país fundamentalmente menos injusto, quando comparado ao que era há quinze ou vinte anos atrás (pra não recuar mais). Hoje, o "partido republicano" brasileiro, formado pelos Dem(o)s, psdbistas e etc., e pela grande imprensa, não tem mais a força hegemônica que tinha. Assim como um ex-operário pode ser presidente, muitos milhares de brasileiros das classes C e D não estão mais alijados da política nacional, e parecem expressar em suas intenções de voto a convicção de que o Estado, mais do que ser um agenciador de negócios particulares, deve propor programas-escada-rolante, capazes de conduzir cada brasileiro ao andar de cima da estratificação social. Se o Dem(o) for erradicado, não será pela violência de um presidente eleito, mas pelo peso e atraso dos pressupostos de sua política. Uma grande parte do eleitorado brasileiro sabe hoje identificar os candidatos que lhes oferecem um projeto de país, e optam pelo prospecto de um governo que parece ser capaz de distribuir renda, de universalizar o acesso a crédito, de universalizar o ensino superior, etc. Ou seja, ninguém vai conseguir se manter na política apenas comprando voto barato, ou coagindo as pessoas e deturpando a história com jornais manipulados, para, quando eleito, se dedicar a excluir e a segregar, mantendo no poder apenas quem ali já estava. Com certeza 2010 marca o início do enfraquecimento dessas formas anacrônicas de fazer política.
O sucesso da política econômica do governo Lula ("o último a entrar na crise e o primeiro a sair dela", como a Dilma gosta de dizer) garantiu a expansão sem precedentes das universidades federais e das escolas de cursos técnicos e tecnológicos, o boom da construção civil (que emprega e garante facilidades para a compra da casa própria), os infindáveis editais de projetos do Ministério da Cultura, etc., etc., etc... A internet tá cheia de exemplos dos sucessos do governo Lula, e não precisamos multiplicá-los aqui. O fato é que tudo conspira para a realização da promessa do presidente: a redução drástica da pobreza no Brasil.
Pois bem, que sumam o Dem(o) e a pobreza. E boa sorte à nossa primeira presidenta.
Agora, devemos notar uma outra novidade trazida por esse ano eleitoral: a terceira candidata, caboclinha da floresta, Marina Silva, que parece ter carregado com seus 20 milhões de votos uma parte das críticas inteligentes ao governo Lula. Pois cabe ao PT compreender a mensagem da Marina, e não diminuir o recado dado por ela de uma maneira muito clara: não faz sentido continuar reproduzinho formas anacrônicas de produzir.
Na nossa opinião, a grande crítica que deve mobilizar uma oposição razoável a esse governo passa pela urgência em se discutir mais profundamente onde queremos chegar. Pois, junto com erradicar a pobreza, vai o seu contrário: fomentar a riqueza. Mas qual riqueza? Nesse ponto, Dilma parece bem próxima de nosso presidente: "por isso que eu considero que erradicar a pobreza é um elemento fundamental(...). Quero um país de classe média" (debate dos candidatos a presidente na Bandeirantes, no dia  10/10/10(!)).
"Quero um país de classe média"!!!!!!! aí mora o perigo. Fazer a equivalência entre a erradicação da pobreza e a criação de um país de classe média é um movimento pra lá de sinistro. Pois hoje deveríamos ser capazes refletir verdadeiramente sobre o que é viver bem, para além dos ideais limitados e produtores de lixo da classe média brasileira. Será que esses que hora ocupam o governo já não são suficientemente imaginativos para oferecer para aqueles que acabaram de se tornar interlocutores no debate político algo mais do que os confortos mornos e infelizes de nossa classe média???? Devemos ser capazes de encontrar outras opções de vida particulares, adequadas para cada região. Deus livre o Brasil de se tornar um grande sudeste.
Pra continuar pensando sobre o assunto:

2-http://tapecuim.blogspot.com/2008/01/diversidade-socioambiental-eduardo.html