Tupac Amaru II

José Gabriel Condorcanki Noguera Tupac Amaru, filho do curaca Miguel Condorcanki e Rosa Noguera, descendia por linha materna de Juana Pilcowaco, filha do último inca Tupac Amaru, que fora executado pelo vice-rei Toledo na praça de Cusco 1572. Nasceu em 1740 ou em 1741, na província de Tinta, onde seu pai foi governador. Era o segundo filho, mas com a morte do primogênito Clemente, José Gabriel acabou herdando o cacicado paterno. José Gabriel estudou no Colégio de Caciques de São Francisco de Borja, em Cusco. Parece que, ao passar um tempo em Lima, José Gabriel frequentou também o curso de Artes da Universidade de São Marcos.

Terminados seus estudos, foi nomeado cacique dos territórios antes controlados por seu pai, e fixou residência na cidade de Cusco, de onde viajava para controlar e governar as terras cuja administração lhe estava entregue. Casou-se em 1758 com uma jovem cusquenha, Micaela Bastidas Puyucahua, mulher de temperamento e personalidade forte, nada submissa e muito inteligente. Com ela teve três filhos homens.

Como herdeiro de uma família abastada e prestigiosa, José Gabriel era rico. Dentro de sua propriedade estavam campos imensos de coca, minas e terras férteis. Mas José Gabriel ganhava dinheiro mesmo com o transporte de cargas, pois ele contava com cerca de 350 mulas que viajavam de Cusco até o Alto Peru - Bolívia.

Sabe-se que o sistema colonial da época contava com uma rede de corregedores e caciques, que garantiam o seu funcionamento administrativo e disciplinar. Os corregedores eram autoridades espanholas, que vinham representar o rei de Espanha na província - deviam legislar sobre questões de justiça e questões civis, e tinham a função de arrecadar os tributos quatrimestrais que deviam depositar nos cofres reais. A partir do século XVIII, os corregedores obtiveram também a permissão para comercializar em suas respectivas províncias, "para o benefício e comodidade dos índios". Os caciques eram os antigos curacas do sistema incaico, recrutados agora pelo rei de Espanha para "azeitar" a dominação. Ajudavam na cobrança de tributos e a reunir índios para trabalhar nas mitas e nas minas. Para isso ganhavam um salário. Só os índios podiam ser caciques, não os espanhóis ou mestiços: trata-se de um cargo que se transmitia por hereditariedade. Os índios tinham vínculos de obrigação para com o seu respectivo cacique, e a lei só obrigava a pagar-lhes o trabalho no caso de trabalho que se dirigiam para fora, ou para o lucro da coroa. A solidez desse sistema repousava pois no antigo sistema indígena dos Andes peruanos. Esses caciques e seus decendentes com direito de sucessão eram educados em centros especiais, os Colégios de Caciques, em Lima e em Cusco.

Dada a natureza da economia colonial, é óbvio que existiam infinitos abusos de poder, e claro que havia uma super-exlporação dos índios, que constituiam a força de trabalho da época. Mas, curiosamente, ao contrário do que nós poderíamos pensar, parece que não havia, por parte dos índios, um necessario descontentamento com o sistema em si, mas apenas com os abusos mais exagerados que ocorriam.

Assim, José Gabriel Tupac Amaru não estava muito contente com os pesados impostos que devia pagar, e também estava preucupado com a pressão que sofria para abrir mão do monopólio dos transportes de minérios pelo Alto Peru - objeto de cobiça dos arrieiros argentinos. As autoridades espanholas passaram a obrigar Tupac Amaru a pagar mais impostos, e a recrutar seus índios para a mita nas minas, em favor da Coroa e sem receber bem por isso. Diante disso, Tupac Amaru apresentou um processo formal na Real Audiência de Lima, para liberar os índios do trabalho da mita. Como a decisão da audiência foi negativa, José Gabriel Tupac Amaru ficou meio ressentido com o sistema, e voltou pra casa bem insatisfeito.

Pois bem, essa insatisfação se dirigia a esta situação específica, e não ao sistema de dominação em si. Aos impostos excessivos, à mita obrigatória e ao abuso dos corregedores se somou ainda a repartição das terras de Tupac Amaru por razões administrativas, que na prática tirava da família Condorcanki bons pedaços de terra. Essa insatisfação crescente foi o estopim da maior insurreição na história do Virreinato peruano. Trata-se de uma insurreição que a princípio era apenas reformista: a rebelião reconhecia a autoridade da Coroa Espanhola, e apenas exigia mudanças na administração da colônia. A revolta começou com a prisão e a posterior execução de um corregedor abusado da província de Tinta, em 4 de novembro de 1780. É quando começa a rebelião que José Gabriel adota o nome de Tupac Amaru II, para usufruir do peso simbólico de sua ascendência inca.

Como toda rebelião, essa toma vida e segue caminhos próprios, e se distancia de seu propósito orginal: era uma revolta reformista, mas acaba ganhando uma conotação étnica, e ganha também um caráter mais insurrecional. A mulher de Tupac Amaru, Micaela Bastidas, vai exercer um importante papel como vice-liderança da insurreição, e, segundo o livro que digerimos antes de excretar essa postagem, foi por não seguir um conselho dela que Tupac Amaru acabou perdendo a guerra.

Depois de vencer uma batalha contra um grande exército espanhol em Sangarara, as forças da colônia estavam desbaratadas, e a população em Cusco estava em pânico. Mas alguns caciques que eram leais à Coroa reuniram forças e planejavam atacar o exército de Tupac Amaru. Tupac Amaru resolve então confrontá-los, com a esperança de ganhar a batalha e conseguir ainda mais armas e homens para atacar Cusco. Micaela se opunha a essa tática. Para ela, devia-se atacar Cusco de imediato, aproveitando o pânico da população e o caos instaurado para tomar o centro do poder colonial. Assim, de supetão e no susto, a maioria colonial em armas e chefes não se faria sentir tanto no campo de batalha, pelo peso psicológico que ainda ficara da batalha de Sangarara. Tupac Amaru, ao decidir contrapor-se à reação que se organizava pelo caciques do sul de Tinta primeiro, e atacar Cusco depois, deu tempo para a defesa colonial se organizar e receber mais reforços vindos de Lima, Arequipa e Huamanga.

Assim, em 8 de janeiro de 1781 Tupac perde uma batalha rumo a Cusco. Perde assim a iniciativa, e passa a ficar somente na defesa, cada vez mais acuado (que nem no xadrez). As tropas realistas perseguiram o exército tupacamarista, enfrentando-o em 5 e 6 de abril, em Tinta. Foi um massacre. Os principais dirigentes da rebelião foram presos. Em maio de 1981, Tupac Amaru II foi obrigado a presenciar a execução de toda a sua família. Ele então foi esquartejado e sua cabeça foi colocada na ponta de uma lança e exibida em Cusco e em Tinta, seus braços foram exibidos em Tungasuca e Carabaya, e suas pernas foram levadas para Levitaca e Santa Rosa.

(postagem baseada no livro La Rebelion de Tupac Amaru, de Daniel Valcarcel).