4 sinais (de 2010)


Alguns lingüistas se aproximam da missiologia, quando transformam em seu comprometimento íntimo – o destino posto a si como desejo – seu apego por uma máquina tradutória de extrair constantes, de reduzir o único em convenção, de transformar o possível em correto. A construção abstrata de um campo institucional, com relações de trabalho e prestígio (métodos, instituições de pesquisa, filiações teóricas) substitui aquilo que o lingüista é capaz de experimentar com a língua que estuda, e posteriormente substitui o que ele poderia experimentar com a sua própria linguagem. Ele assim coloniza de fora para dentro, até ficar preso nas malhas de sua própria capacidade de expressão cotidiana. Seu objeto deixa de ser a língua em sua transformação interminável, para se tornar os movimentos lingüísticos mais corriqueiros, mais estereotipados, “este é o cachorro dele”, “a menina está sentada perto do cesto”, “quanto custa o chocolate?”.

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Em que pese as nossas boas intenções ao valorizar a diversidade lingüística brasileira, a relação de alguns povos com as suas línguas, e com o pano de fundo que as acomoda, é uma relação de aventura, de transformação, e não uma relação patrimonial, de fidelidade a um corpo reificado de formas gramaticais. Talvez, esta irrefreável abertura ao Outro indique o quanto o futuro dessas línguas está entrelaçado ao nosso: continuarão apresentando-nos o diverso, se formos capazes de parar de apresentar-lhes um futuro onde essas formas não têm mais lugar.

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Há, em alguns sistemas estruturalmente abertos ao Outro, uma predileção por variar na língua portuguesa a busca daquilo que ainda não se sabe. Assim, sujeitos praticamente monolíngües em hãtxa kuin (a fala verdadeira dos Kaxinawa) cantam hinos em português nos espaços abertos pela ayahuasca. A língua do Outro aparece como fronteira, como borda: além dela, o indiferenciado; aquém, a clareza do cotidiano. Nela, a experiência fascinante de ver o fora tornar-se forma.

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“São os esforços, incessantemente repetidos, dos indivíduos de uma nação, para adaptar sua língua ao seu pensamento do momento que podem ter o efeito de modificar e transformar pouco a pouco as línguas, de suscitar línguas novas” (Gabriel Tarde). E, por outro lado, “somente renovando a língua é que se pode renovar o mundo" (Guimarães Rosa).